Conheça Incríveis Movimentações Ortodônticas em Pacientes com Grandes Comprometimentos Periodontais

(Relatos de Casos Clínicos) Movimentações Improváveis em Pacientes com Periodonto Comprometido
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O tratamento ortodôntico de paciente adulto envolve, muitas vezes, complexidades adicionais, como ausências dentárias e comprometimento periodontal significativo. Nesses casos, recursos de ancoragem esquelética, como implantes dentários e miniplacas, podem ser utilizados para viabilizar o tratamento, minimizando os efeitos indesejados nos dentes remanescentes e favorecendo movimentações dentárias mais complexas

Caso Clínico 1

Paciente do sexo feminino, com 50 anos e 10 meses de idade, procurou avaliação ortodôntica encaminhada pelo implantodontista, com finalidade de realizar tratamento reabilitador interdisciplinar. A paciente já tinha procurado outros ortodontistas para tratamento; porém, todos apresentaram apenas a opção de tratamento ortocirúrgico, a qual a paciente não aceitou.

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Quanto à história odontológica, ela encontrava-se em tratamento periodontal, com algumas perdas dentárias (den-tes #36 e #46), indicação de exodontia de alguns dentes por comprometimento periodontal (dentes #17 e #47) e outros com prognóstico duvidoso (dente #24 e incisivos inferiores). Havia reabsorção óssea alveolar horizontal moderada em ambas as arcadas, recessões gengivais generalizadas, tratamento endodôntico em alguns dentes (#17, #26, #27, #47) e coroas protéticas em molares (#17, #26, #27 e ponte entre o #45 e o #47).

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Pela análise facial, apresentava ausência de assimetria significativa, padrão dolicofacial (AFAI aumentada), selamento labial passivo, perfil reto, lábios finos, ângulo nasolabial normal e linha do sorriso baixa, sem exposição gengival.

A avaliação dentária identificou má oclusão de Classe II de Angle, mordida aberta anterior sem contato dentário de canino a canino (sobremordida de - 3 mm), extrusão do #16 e do #26, arco do sorriso invertido, arcada superior atrésica e profunda, incisivos superiores verticalizados (1 .NA=16º), diastemas anteriores na arcada inferior, incisivos centrais inferiores girovertidos e linhas médias coincidentes entre si.

Após análise da telerradiografia lateral, identificou-se má oclusão de Classe II esquelética (ANB=5º), com retrusão da mandíbula (SNB= 76º) e maxila bem posicionada (SNA=82º), além de padrão vertical aumentado (SN.GoGn=33º, Eixo Y=60º).

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Inicialmente, indicou-se controle periodontal e motivação de higiene bucal, com realização de terapia periodontal básica, exodontia dos dentes que não seriam proservados (dentes #17 e #47) e reposição das ausências com implantes/próte-ses (#17, #36, #46, #47).

Simultaneamente ao procedimento cirúrgico, solicitou-se a instalação de miniplacas em pilar zigomático, bilateralmente, as quais seriam utilizadas como ancoragem esquelética para intrusão dos dentes posteriores superiores.

Arcada superior

Realizou-se montagem do aparelho ortodôntico fixo pré-ajustado prescrição Roth, bandas com tubo palatino nos primeiros molares e tubos simples colados nos segundos molares. Uma barra transpalatina em fio de aço 0,8 mm foi confeccionada ativa, para giro distal do dente #16, expansão transversal e torque palatino dos dentes #16 e #26, afastada da mucosa palatina, para auxiliar na intrusão dos dentes posteriores, juntamente com a ancoragem esquelética das miniplacas em zigomático. Inicialmente, ativou-se a intrusão só dos dentes #16 e #26, diretamente nas miniplacas.

Prosseguiu-se o alinhamento e nivelamento segmentado dos dentes #13-23, #14-15 e #24-25 (fios NiTi 0,014; 0,018"; 0,017" x 0,025" e de aço 0,020 e 0,019 x 0,025).

Com o completo nivelamento e intrusão do segmento posterior (mantendo controle vertical com barra transpalatina e ativação nas mini-placas), procedeu-se ao alinhamento e nivela-mento, com arco contínuo de fios de NiTi 0,018" e 0,016"x0,022" e de aço 0,019"x0,025", permitindo a extrusão do #13 ao #23, de forma a favorecer o arco do sorriso e posição da borda incisal dos dentes superiores em relação à linha de oclu-são dos lábios em repouso.

Após correção vertical, com obtenção de sobremordida adequada e giro anti-horário da mandíbula, iniciou-se a retração superior em massa, ancorada nas miniplacas.

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Já na fase final do tratamento ortodôntico, encaminhou-se a paciente para avaliação da protesista, para definição de ajuste oclusal por desgaste seletivo e/ou restaurações.

Arcada inferior

Após boa evolução da intrusão do segmento posterior superior (10 meses após início do tratamento), iniciou-se a montagem do apa-relho ortodôntico fixo pré-ajustado. O alinhamento e nivelamento foram realizados com fios NiTi 0,012 e 0,018 e de aço 0,018; 0,020 e 0,019"x0,026" com delta e ômega. Para fechamento dos diastemas, utilizou-se corrente elástica, bem como tie-back no arco de aço 0,019"x0,026".

Confeccionou-se, então, arco de finalização de aço 0,019" x 0,025" com delta e ômega, seguindo coordenação, dobras ideais, ajuste oclusal e uso de elásticos intermaxilares, conforme necessário.

Ao remover toda a aparatologia utilizada, instalou-se contenção fixa tipo higiênica colada em todos os dentes de primeiro pré-molar a primeiro pré-molar, confeccionada com fio de aço 0,024".

Resultados Obtidos

Ocorreu redução da AFAI, com mínima retração do lábio superior e melhora do sorriso, com maior exposição dos dentes anteriores superiores e obtenção de arco do sorriso har-monioso. Houve melhora da relação anteroposterior (ANB = 3º, SNA=82º, SNB=79º) devido à redução da AFAI (SN.GoGn=28º, Eixo Y=55º, FMA=23º) e giro anti--horário da mandíbula, provocados pela intrusão dos dentes posteriores superiores.

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Os resultados dentários foram satisfatórios, com obtenção da chave de oclusão de caninos, nivelamento da arcada superior, correção da mordida aberta anterior, obtenção de sobremordida, sobressaliência e contatos oclusais adequados, bem como guias funcionais efetivas, fechamento dos espaços da arcada inferior, reabilitação das ausências e perdas dentárias com implantes/próteses.

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Caso Clínico 2

O segundo caso ilustra o tratamento ortodôntico interdisciplinar de um caso clínico de alta complexidade, com problemas periodontais severos e múltiplas perdas dentárias. O planejamento contemplou a visualização prévia dos movimentos desejados, por meio de oclusograma e VTO digitais.

Utilizando-se a Técnica do Arco Segmentado e aplicando-se corretamente os princípios biomecânicos, é possível atingir ótimos resultados clínicos, com controle e previsibilidade, minimizando a ocorrência de efeitos colaterais.

A paciente, com 43 anos de idade, foi encaminhada por outro profissional, com indicação de extrações de todos os dentes remanescentes e colocação de prótese total superior e inferior. Ela sentia-se insatisfeita com a excessiva inclinação e espaços entre os incisivos (migração patológica de incisivos), e era constantemente vítima de bullying no trabalho, devido à sua aparência.

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Apresentava má oclusão de Classe II divisão 1 de Angle, subdivisão direita, com diastemas generalizados superiores e inferiores, overjet acentuado de 6 mm, overbite acentuado de 4,5 mm e dentes #14, #15, #25, #27, #28, #36, #37, #45 e #48 ausentes, giroversões dos dentes #12, #22, #26, #41 e #47, e dente #26 extruído.

A paciente apresentava padrão dolicofacial, com aumento do terço inferior da face; selamento labial incompetente, com lábio inferior evertido; inclinação vestibular acentuada dos incisivos superiores e inferiores; e sorriso gengival.

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O planejamento ortodôntico tridimensional do caso em questão foi realizado por meio do oclusograma, do VTO e da análise facial. O oclusograma é realizado sobre as fotograias oclusais dos modelos de estudo iniciais, na proporção de 1:1. No presente caso, utilizou-se o programa "Oclusograma Digital".

Nele, pôde-se observar a necessidade de lingualização dos incisivos superiores; já nos inferiores, para a redução da quantidade de espaços existente, foi planejada a mesialização dos dentes #43 e #44.

A localização precisa para a futura instalação de implantes e a visualização da posição final dos dentes nas arcadas superior e inferior são algumas das vantagens oferecidas por esse programa.

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Arcada superior

Intrusão e retração dos dentes superiores anteriores, com fechamento dos diastemas anteriores, utilizando um arco de intrusão de três peças e cantilevers com coniguração logarítmica.

A ancoragem para essa movimentação e a desoclusão dos dentes anteriores foram conseguidas por meio de um splint acrílico cimentado com cimento de ionômero de vidro.

Em seguida, removeu-se o splint e foram instalados dois implantes na arcada superior: na região do dente #14 (coroa clínica de 8mm) e na região do dente #25 (coroa clínica 7,5mm).

Depois, mesialização dos dentes #16, #17 e #18, apoiada no implante do dente #14, e intrusão do dente #26, utilizando-se o implante do dente #25 como ancoragem.

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Arcada inferior

Intrusão dos incisivos inferiores, por meio de um arco de intrusão de três peças apoiado nos dentes posteriores do lado direito e no dente #38, que ao fim do tratamento seria extraído (free anchorage).

Mesialização dos dentes #43 e #44, abrindo espaço para um implante na região do #45 (coroa clínica de 8 mm) e fechando os diastemas anteriores. Implante na região do #36 (coroa clínica de 10 mm); e extração do dente #38.

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Progresso do tratamento

Realizou-se a cimentação de um splint de acrílico na região posterior superior, unido por duas barras de fio 0,9 mm de aço. A finalidade do splint foi a ancoragem para a intrusão e retração dos dentes anteriores e, também, a remoção do trauma oclusal nos incisivos.

Foram confeccionados dois cantilevers com configuração logarítmica, com fio de TMA 0,017" x 0,025", ativados com 25g de força intrusiva e 80g de força de retração em cada lado. Para o fechamento dos diastemas entre os incisivos, foi utilizada cadeia elástica.

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Nessa fase, foi solicitada a instalação de dois implantes na maxila, sendo um na distal do dente #13 e o outro, no meio do espaço entre os dentes #24 e #26; e um implante na mandíbula, na distal do #35. O implante do dente #25 foi utilizado como ancoragem para a intrusão do #26.

Dois cantilevers de intrusão, encai-xados nos braquetes do implante e apoiados no dente #26 — sendo um por vestibular ativado com 20g e o outro por palatino, ativado com 30g de força intrusiva — foram confeccionados com io de TMA 0,017" x 0,025".

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O implante do dente #14 foi utilizado como ancoragem para a mesialização dos molares superiores do lado direito. Para se evitar a in-clinação dos molares, eles foram trazidos para mesial por meio de power-arms e de molas de níquel-titânio pré-calibradas com 150g de força, com linha de ação próxima ao centro de resistência dos molares.

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A fase de finalização foi feita com arcos contínuos com dobras e elásticos para correção de pequenos detalhes que pudessem ainda ser necessários.

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Resultados do tratamento

Após a remoção do aparelho ortodôntico, pôde-se observar uma melhora estética substancial, contatos oclusais adequados e equilibrados, melhora e adequação da função mastigatória e visível melhora da condição periodontal.

Foi feita a splintagem dos dentes anteriores superiores e inferiores com Intelig e confecção de placa miorrelaxante em acrílico, para contenção e auxílio no controle da parafunção.

A solução da sobressaliência inicial foi resultado da lingualização dos incisivos superiores, bem como da vestibularização dos inferiores, o que acarretou uma melhora significativa do selamento labial.

O resultado final da oclusão foi muito fiel ao planejado no oclusograma digital.

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Conclusão

A Biomecânica associada a um bom planejamento tridimensional inicial permite que casos de alta complexidade possam ser tratados com segurança e previsibilidade.

A utilização de dispositivos que liberam forças leves e constantes e a associação de mecânicas ortodônticas com ancoragem em implantes osseointegráveis fazem com que pacientes mutilados por várias perdas dentárias possam ser submetidos ao tratamento ortodôntico com riscos reduzidos.


Artigo e Caso Clínico 1: Loriato L. Tratamento da má oclusão de Classe II de Angle, com mordida aberta anterior e comprometimento periodontal significativo. RevClín Ortod Dental Press. 2019 Ago-Set;18(4):137-48

Artigo e Caso Clínico 2: Sakima MT, Sakima CGP, Cotta LPF, Oliveira CSBM, Lopes BMV. Aplicação da biomecânica no tratamento de casos complexos: caso clínico de paciente adulto com comprometimento periodontal. Rev Clín Ortod Dental Press. 2017 Ago-Set;16(4):90-106

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