Braquetes autoligados alinham os dentes mais rapidamente?
Braquetes Autoligados alinham os dentes mais rapidamente?
Fonte: Rev Clín Ortod Dental Press. 2014 dez-2015 jan;13(6):10-5 (Parte I)
A revista comemorativa da DentalPress traz uma visão surpreendente sobre o tema, e pergunta ao renomado Dr. Renato Parsekian Martins a sua opinião sobre este tema controverso.
O Dr. Renato Parsekian Martins é Professor Colaborador da Pós-graduação em Ciências Odontológicas - Área de Ortodontia - FOAr - UNESP
"É impressionante como os fabricantes fazem alegações sem confirmação aparente sobre a validade ou veracidade de suas declarações, ao mesmo tempo que lutamos por apoio à pesquisa científica." - K. O'Brian e J. Sandler.
O conhecimento anedótico, amplamente disponível em panfletos comerciais e na internet, somado ao desdenho pelas evidências científicas sérias, podem fazer com que a vontade de que uma hipótese seja verdadeira se torne mais sedutora do que acreditar na realidade.
Entretanto, o fato de um conceito ser muito bom não é suficiente para que ele seja verdadeiro.
Entre as afirmações creditadas aos braquetes autoligados estão o menor índice de reabsorções radiculares, a diminuição das extrações e das cirurgias ortognáticas, a não utilização de disjunções palatinas e o maior conforto dos pacientes.
Todavia, infelizmente, não há evidências científicas de qualidade que suportem essas afirmações. Não obstante, indo um pouco mais além, há evidências suficientes para refutar, com uma boa margem de segurança, a maioria delas.
Segundo as evidências científicas existentes, braquetes autoligáveis NÃO alinham dentes mais rapidamente do que braquetes convencionais.
Existem revisões sistemáticas e metanálises que corroboram essa posição, sendo que, na metanálise mais recente - em que 25 trabalhos foram selecionados, totalizando 1.321 pacientes avaliados, os autores concluíram que:
"O uso de braquetes autoligáveis parece estar significativamente associado a um tratamento, em média, dois meses mais longo, com um mínimo de aumento na distância intercaninos e com um mínimo de aumento na distância intermolares."
Como isso pode ser possível?
Contraintuitivamente, o atrito nos ajuda a alinhar os dentes quando há falta de espaço (e é exatamente nos casos mais apinhados que gostaríamos de ver um alinhamento mais rápido).
A resistência ao deslizamento causadas pelas forças que produzem o travamento elástico do fio, ou binding, nos casos de moderada irregularidade inicial, produz os espaços necessários para a correção de rotações e inclinações dos dentes.
Entretanto, nos casos onde existem espaços suficientes para o alinhamento - casos com diastemas - um baixo atrito auxiliaria o alinhamento, sem que mais espaços fossem abertos.
Nesse caso, um baixo atrito não quer dizer que a correção do apinhamento seria mais rápida, mas, sim, que seria mais eficiente, pois esses espaços não precisariam ser fechados após o alinhamento.
Nessas situações, o clínico deve tentar diminuir ao máximo o travamento do fio, utilizando fios flexíveis, de baixo calibre em relação ao slot do braquete, evitando grandes angulações entre o fio e o braquete.
Outro profissional que indaga sobre o verdadeiro papel dos braquetes autoligáveis na redução do tempo de alinhamento e nivelamento é o Dr. Gilberto Vilanova Queiroz.
Mestre e Doutor em Ortodontia pela FOUSP, o Dr. Gilberto comenta que, apesar dos estudos in vitro demonstrarem superioridade dos braquetes autoligados em relação aos convencionais no controle do atrito, publicações recentes (abaixo) questionam se as referidas vantagens possuem relevância clínica.
Publicações:
Randomized clinical trial of orthodontic treatment efficiency with self-ligating and conventional fixed orthodontic appliances
Padhraig S. Fleming, Andrew T. DiBiase, Robert T. Lee
American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics, Vol. 137, Issue 6, p738–742Efficiency of self-ligating vs conventionally ligated brackets during initial alignment
Emily Ong, Hugh McCallum, Mark P. Griffin, Christopher Ho
American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics, Vol. 138, Issue 2, p138.e1–138.e7Comparative assessment of alignment efficiency and space closure of active and passive self-ligating vs conventional appliances in adolescents: A single-center randomized controlled trial
Goldie Songra, Matthew Clover, Nikki E. Atack, Paul Ewings, Martyn Sherriff, Jonathan R. Sandy, Anthony J. Ireland
American Journal of Orthodontics and Dentofacial Orthopedics, Vol. 145, Issue 5, p569–578
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Essa indagação é, de fato, pertinente, e creio que possa ser discutida sob a seguinte premissa:
O protagonista no controle do atrito na mecânica de deslizamento é o fio ortodôntico, enquanto o braquete autoligado constitui um coadjuvante importante quando são utilizados fios que exercem forças leves durante o alinhamento dentário.
A importância dos braquetes autoligados, então, é apenas a eliminação do atrito clássico, que constitui um dos fatores responsáveis pela variação nas forças exercidas pela deflexão do fio:
Desta forma, o braquete autoligado constitui um coadjuvante que auxilia a manter a uniformidade das forças obtidas com fios NiTi SE.
Em tese, a relevância do braquete autoligado se manifesta quando associado a forças de desativação verdadeiramente leves, as quais poderiam se tornar pouco efetivas na presença do atrito clássico; nos casos em que as forças de desativação superam com folga a magnitude do atrito clássico, o papel dos braquetes autoligados tende a exibir menor relevância.
Caso as pesquisas clínicas venham mostrar o contrário... paciência! Apesar de parecer boa a idéia de um alinhamento mais rápido, a hipótese estava ERRADA!
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